quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Ciúme - Uma emoção de desequilíbrio

Rosana Machado CRP 06/34689-1 Psicoterapeuta


...”I didn’ t mean to hurt you
I’m sorry that I made you cry…
I’m just a jealous guy”…

“Eu não queria te machucar
Desculpe-me se eu te fiz chorar
Eu sou apenas um cara ciumento”

(Jealous Guy – John Lennon)


Ciúme vem sendo definido por muitos autores como o medo de perder. Sua base é a baixa auto-estima, o amor em desequilíbrio, excessivamente voltado ao outro e contaminado pelo apego, pela posse, pelo sentimento de possuir o outro.

O medo de perder pode ter em sua raiz na traição, na crença que vai ser trocado ou abandonado, que é uma outra roupagem do apego. O ciumento sente-se sempre ameaçado e age com desrespeito por si mesmo e pelo outro.

Este outro pode ser o (a) parceiro (a) amoroso (a), o irmão, o chefe ou os colegas de trabalho, pois são inúmeras as situações da vida em que sentimos ou manifestamos ciúmes.

No aspecto popular também é ampla sua compreensão e aceitação existindo pensamentos que valorizam excessivamente o ciúme, até o extremo da não aceitação.

Podemos citar os exemplos:

“Ter ciúme é normal!”
“Ciúme é o termômetro do amor!”
“Ciúme é o cuidado com a pessoa amada!”
“Ciúme é a expressão da pessoa fraca, que não se sente valorizada”.
“É um sentimento que sufoca”.

O ciúme pode ser visto em duas categorias: o normal e o patológico, segundo alguns autores.

Para Maria Luisa Curti, “o ciúme normal é transitório e baseado em fatos reais”(1)

Frequentemente a experiência de quem vive o ciúme, é a de que sabemos uma coisa, sentimos outra e até podemos pensar uma terceira.

O medo de perder pode se tornar tão avassalador ao ponto da pessoa construir delírios, imaginando coisas que existem em seu pensamento. Esta manifestação é compreendida como ciúme patológico.

Neste aspecto, “o que move o ciumento ou a ciumenta, é um desejo de controle total do companheiro, mas, por mais controle que se consiga sobre o outro, nunca é o suficiente. A pessoa que padece desse mal está sempre em busca de confissões e confirmações para suas suspeitas, e mesmo que as consigam, nunca está satisfeito, pois continua germinando suspeita por algo mais”. (1)

Ou seja, o ciúme socialmente aceito é o que se considera normal e está relacionado a fatos reais. É objetivo e transitório, tendo como aprendizagem, aspectos que envolvem o relacionamento ou cada um dos integrantes.

A meu ver o fato de ser considerado normal, não significa que não possa ser transformado. A palavra comum caberia melhor, por sermos humanos e em nossas experiências de desequilíbrio, de não estarmos conectados com o Eu Superior, iluminados, manifestamos aspectos relacionados ao medo, ao apego, e a raiva.

Com relação ao ciúme podemos observar o medo como a polaridade do amor, a ausência do amor por si mesmo, do amor presente em nossa essência e que nos guia construindo relações de confiança e paz, tanto em nosso interior, quanto expresso nas nossas relações.

Do mesmo modo se faz presente o apego, através do desejo de possuir ou até mesmo de nos fixar em uma idéia, sem conseguirmos nos desvencilhar dela. Neste momento é que cabe a reflexão. Em que acreditamos? Quais são as crenças que nos acompanham em nosso cotidiano? E o que fazemos com o que acreditamos?

Quando conseguimos observar o que fazemos, podemos nos deparar com a raiva, como emoção que pode ser o alimento para controlar, vigiar, manipular, culpar ou em seu equilíbrio, nos auxiliar através da força da determinação, em transformar a experiência do ciúme em confiança e em amor próprio.

O ciúme é o medo de perder o que sabemos que não temos; porque se temos não perdemos. Esta sabedoria está presente em nossa essência, em nossa alma e podemos desenvolver caminhos para acessá-la. Frequentemente o desafio encontra-se nas crenças que desenvolvemos no decorrer de nossa vida.

Podemos afirmar que o amor e o ciúme caminham juntos desde os primórdios da humanidade, sendo o ciúme um desequilíbrio do amor. Do amor por si mesmo, do amor inseguro que em qualquer situação que se apresenta, pode ensinar muito a nosso próprio respeito.

Eduardo Ferreira Santos diferencia o ciúme enquanto estado que está relacionado a uma cena específica, ou enquanto qualidade, quando passa a se apresentar de um modo mais recorrente.

Ele nos diz: “o ciúme envolve um complexo de pensamentos, sentimentos e ações que ameaça, não só toda a estrutura de uma relação interpessoal, como também, a existência psíquica, e às vezes até física das pessoas envolvidas. Daí ser melhor categorizá-lo como um estado, quando ele surge em uma situação específica. E como uma qualidade (ou atributo), quando ele predomina no dia-a-dia. E a diferença entre sentir ciúme e ser ciumento”. (2)

Essa distinção não determina a qualidade da experiência, pois independente da intensidade e da maneira como expressamos, todos os sentimentos podem ser resignificados.

Como diz Bel César, “a melhor maneira de diminuir a intensidade do ciúme, é deixar de interpretá-lo como um drama, e passar a expressá-lo de modo natural, isto é, como mais uma experiência de sofrimento emocional. Ser honesto consigo mesmo e abrir-se com o outro de modo simples e sincero, costuma ser uma solução positiva, porque a sinceridade é em si um antídoto do desejo de manipular e controlar o outro”. (3)

O sentimento de posse está relacionado tanto ao ciúme quanto a inveja e frequentemente essas experiências trazem confusão na sua compreensão. Em geral, podem ser utilizadas como sinônimos e nos atrapalhar.

Segundo o próprio dicionário Aurélio: “ciúme – sentimento doloroso que as exigências de um amor inquieto; o desejo de posse da pessoa amada, a suspeita ou a certeza de sua infidelidade, fazem nascer em alguém; zelos. Emulação, competição, rivalidade. Despeito invejoso, inveja. Receio de perder alguma coisa; cuidado, zelo”. Porém ciúme e inveja são sentimentos com qualidades muito distintas.

Em ambos, existe a crença de não merecimento embora no ciúme, o entendimento é o de que irá perder o que acredita possuir e na inveja há uma antecipação do fracasso, por entender que nunca irá possuir, a pessoa se sente incapaz de obter.

“Ou seja, o ciúme é relacionado ao que se tem e teme-se perder, enquanto que a inveja é direcionada ao que não se tem e se deseja obter (ou impedir que o outro tenha).” (2)

Concluindo, ciúme é uma emoção de desequilíbrio que se apresenta em nossas relações intra e interpsíquica. Podemos manifestá-lo em relação a objetos, situações e pessoas.

Geralmente vem acompanhado de raiva, apego, medo, podendo se tornar até patológico quando passa a guiar as nossas “opções”, ou melhor, nos aprisionar em um ou mais ponto de nossa vida inclusive através do pensamento que pode se manifestar com idéias irreais ou até mesmo que não podem ser compreendidas pela nossa história biográfica.

Nesta experiência podemos aprofundar nosso autoconhecimento e nos perguntar: Em que acredito? Sou merecedor deste relacionamento? O que sinto é amor? Qual é meu maior temor: o de ser traído? ou abandonado?
Com essas respostas podemos discernir quando e como surge o ciúme, diferenciando inclusive a fantasia da realidade.

Se observarmos, a própria vida nos ensina a sermos nós mesmos, superando nossos limites, nossas dificuldades. Quanto mais fugimos das situações, mais ela se repete nos dando sempre novas oportunidades.

Ao compreendermos que sou livre, eu e o outro, podemos nos comprometer a caminhar juntos a cada dia. Essa compreensão traz em si a serenidade oposta à ansiedade de quem quer controlar o outro, possuir o outro, se impor ao outro. Ensina-nos a paz cultivada a partir de nosso interior.

Transcender essa emoção é a oportunidade que, muitas vezes, o Universo nos oferece para resgatarmos a nossa auto-estima com um cultivo de um amor mais profundo nas nossas relações e o exercício de gratidão com a nossa vida.


Bibliografia:
(1) Maria Luisa Curti – Jalousie in www.dominiofeminino.com.br
(2) Eduardo Ferreira Santos – Ciúmes o medo da perda – Editora Summus
(3) Bel César – Por que sentimos ciúme? – in www.somostodosum.com

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