Dois textos de grande lucidez e sensibilidade conquistaram a nossa atenção. Leonardo Boff, em “Oficialmente velho”, fala dos setenta anos completados em dezembro passado. Rubem Alves, em “Quando o inverno chegar”, surpreende e provoca o leitor, quando conta da palestra que fez em São Paulo à Terceira Idade. Ao ler as duas crônicas, não resistimos à voz que nos mandava compartilhar os textos com nossos leitores que, oficial ou oficiosamente, se consideram velhos. Todos sabemos que as estações do ano não perguntam se podem ou devem chegar e quando. Elas respondem à natureza e surgem, uma após a outra. Assim acontece com os humanos em relação à infância, à adolescência, à juventude, à maturidade e à velhice!
Leonardo Boff lembra que há um lado instigante na velhice, última etapa do crescimento humano: “Nós nascemos inteiros. Mas nunca estamos prontos. Temos que completar nosso nascimento ao construir a existência, ao abrir caminhos, ao superar dificuldades e ao moldar o nosso destino. Estamos sempre em gênese. Começamos a nascer, vamos nascendo em prestações ao longo da vida até acabar de nascer. Então entramos no silêncio. E morremos.” Ao refletir sobre o sentido da vida, Boff afirma que precisaríamos de muitos anos de velhice para encontrar a palavra essencial que nos defina. Ressalta que vivemos especialmente para tentar fazer uma síntese final, integrando as sombras, realimentando os sonhos que nos sustentaram por toda uma vida, reconciliando-nos com os fracassos e buscando sabedoria. Ao final diz que ainda alimenta dois sonhos, sonhos de um jovem ancião: o primeiro é escrever um livro só para Deus, se possível com o próprio sangue; e o segundo, impossível, mas bem expresso por Herzer, menina de rua e poetisa: “Eu só queria nascer de novo para me ensinar a viver.”
Rubem Alves, por sua vez, foi provocativo com os velhos que foram escutá-lo: ”Então os senhores e as senhoras chegaram finalmente a esse glorioso momento da vida em que podem se entregar à felicidade de serem totalmente inúteis…” A resposta dos ouvintes veio em forma de indignação coletiva. Muitos participantes passaram a proclamar o que faziam para confirmar que não eram inúteis!.. Rubem Alves ressalta, então, que as respostas atendiam à ideologia da nossa sociedade que julga as pessoas como julga as lâminas de barbear, as esferográficas, os filtros de café…Uma lâmina de barbear rombuda, uma esferográfica esgotada, um filtro de café usado deixaram de ser úteis e vão para o lixo por serem inúteis. A Nona Sinfonia é absolutamente inútil, mas a vassoura, ao contrário, é muito útil. Um poema é inútil, já o papel higiênico e muito útil. O que vale mais? perguntou o conferencista. Repentinamente, os rostos indignados se abriram em sorrisos. Ocorre-nos indagar: afinal, o que somos? Poemas ou lâminas de barbear? Sinfonias ou vassouras? Por que resistimos tanto à felicidade de sermos inúteis, conquistada na velhice?
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