segunda-feira, 27 de abril de 2009

A Arte de Representar

Geisa Mueller
Dramaturga e diretora, formada pelo Curso de Formação do Ator da UFPR. Diretora do Grupo de Teatro Uninter
Na arte do ator está contido o verbo esvaziar. Através do treinamento artístico o ator busca esvaziar-se de sua própria identidade e assumir, como suas, as prerrogativas e aspirações de uma personagem, de um ser que "não existe" porque pertence ao campo da ficção. A maneira como cada profissional consegue conduzir o mecanismo físico para acionar tal estado de disponibilidade (de entrega) é desenvolvida durante os ensaios e na observação da vida cotidiana. Desse modo, o ator se prepara para estar em cena e compartilhar sua arte com a platéia, valendo-se, portanto, dessa técnica, pessoal e intransferível em que cada indivíduo tem seu próprio tempo de descobertas. Entretanto, para que haja descobertas é necessário haver pesquisa, uma vez que o processo criativo deve possibilitar ao ator elaborar as conexões internas que irão auxiliá-lo tanto no desempenho de seu ofício quanto para transformar-se no instrumento de sua arte e, da arte, ser um instrumento. Portanto, o ator deve projetar suas expectativas e ativar um dispositivo de alerta que o previna das ilusões que acompanham sua carreira, com o propósito de sempre exercitar a autocrítica, o que é o princípio essencial. Algumas vezes não conseguimos enxergar limitações e dificuldades por estarmos atados a pensamentos equivocados sobre nossa habilidade, ilusões criadas por nós mesmos, que nem sempre são coerentes com o nosso estágio de aprendizagem. Também devemos levar em conta os rangidos que produzem as críticas, pois o ser humano, em geral, ainda possui pouca destreza na área da comunicação e, por esse motivo, as palavras acabam tendo um peso ou assumindo uma significação que não é adequada ao contexto no qual foram apresentadas. A crítica, no meu ideal, serve para construir e complementar uma idéia que está em construção. É muito bom promover esse exercício, pois, se as pessoas não se confrontarem com possíveis grunhidos, como poderão transformá-los em canto? Porém, como os ruídos, nesse campo (da comunicação humana), ainda são melindrosos, é necessário que o artista se utilize de filtros para separar a porção nobre e a aplique em seus interesses profissionais. Os filtros são construídos junto com o trabalho, através do embasamento, da pesquisa incessante que origina o conceito, o teor justificado de sua obra. O canto mavioso da representação só poderá ser ouvido e ter sentido quando calar a “voz do ego”, quando a flor do deserto ocupar o lugar do coração. Somos seres famintos por essência e por ritual, mas também somos humanos e, inseridos nessa condição, somos nós que preparamos e desarmamos nossas próprias esparrelas.

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