segunda-feira, 27 de abril de 2009

Corporeidade da Voz: aspectos do trabalho vocal para o ator.


Publicado em:
ALEIXO, Fernando. Corporeidade da Voz - O Teatro Transcende - N. 12.
Blumenau: FURB, Divisão de Promoções Culturais, 2003.
ALEIXO, Fernando. Corporeidade da Voz: aspectos do trabalho vocal
do ator – Cadernos da Pós-Graduação IA / UNICAMP – Ano 6, Voluma 6
– No. 1, 2002.

Resumo:
A voz, quando entendida como corpo, ou seja, como um processo da ação das diferentes esferas da
organicidade (aspectos musculares, ossatura, sentidos, afetividade, memória, etc), adquiri uma
propriedade que reconhece a complexidade e as sutilezas particulares de sua criação.
No âmbito do trabalho do ator, tal entendimento possibilitará uma reflexão a cerca das
possibilidades vocais no trabalho criativo, que por sua vez, permite sistematizar um processo voltado para
o aperfeiçoamento técnico.
Apresentamos a seguir, algumas referências que norteiam as práticas da pesquisa Corporeidade da
Voz: proposta de uma vocalidade poética, desenvolvida no IA-UNICAMP, sob a orientação da Profa. Sara
Pereira Lopes.
Apresentação
O processo de desenvolvimento técnico vocal para do ator envolve aspectos amplos pois o
fenômeno da vocalidade no teatro, aplicação dos recursos vocais no processo criativo, se estrutura a partir
de fundamentos fisiológicos, culturais e poéticos (técnicas e linguagens). No centro deste processo, o ator
é o executor do código vocal e, por isso, concentra em si, naturalmente, o conteúdo a ser expresso, bem
como os meios materiais da comunicação oral. Esta condição impõe ao ator a necessidade de
conhecimentos técnicos e domínio sobre seus instrumentais físico, vocal e criativo.
Neste contexto, a preparação vocal do ator deve adotar procedimentos metodológicos
específicos, e fornecer referências para o estabelecimento de correspondências entre o aprimoramento dos
aparatos físico e vocal e a aquisição de uma propriedade para a aplicação técnica da voz na composição,
objetivando a conscientização e potencialização de seus recursos de expressão. Trata-se de uma trajetória a
ser percorrida, respeitando as características psico-físicas do indivíduo, para uma compreensão corporal do
processo de produção da voz e das suas possibilidades de empenho no desenvolvimento da vocalidade
poética.
Assim, considerando a voz como corpo - dimensão orgânica que dará plenitude aos
potenciais do ator, poderemos vislumbrar conquistas sensíveis no contexto da vocalidade no teatro.
Estabelecendo condições corpóreas favoráveis para a potencialização da voz
Este aspecto do trabalho objetiva sensibilizar corporalmente a voz. Para isso, poderão ser
desenvolvidas atividades que permitam reconhecer e trabalhar a fisicalidade da voz, estudando as
estruturas musculares e óssea da produção vocal, bem como a respiração e a ressonância.
Primeiramente, apontaremos o que podemos denominar de RE-edificação corporal. Tal
etapa refere-se ao conjunto de atividades voltadas para proporcionar um alinhamento direcional da
estrutura óssea do corpo (eixo), trabalhando equilíbrio e domínio do movimento, através do estudo sensível
de pequenas e grandes cadeias musculares e das articulações do corpo.
O uso correto do eixo vertical promove o equilíbrio do corpo sobre os pés, distribui o peso
igualmente sobre as duas pernas (apoios) e favorece o ganho de flexibilidade em todas as articulações,
bem como relaxamento e tônus musculares adequados à produção da voz.
A colocação postural que estabelece o alinhamento dos pés, joelhos, quadril, tronco,
escápulas, braços e cabeça, age sobre a circulação sangüínea, sobre a condições de tonicidades e tensões
musculares que poderão influenciar na respiração e, consequentemente, no processo de fonação e
articulação da fala.
No estudo da ressonância, contexto do corpo-sonoro, podemos considerar algumas
definições técnicas sobre ressonância. No dicionário, ressonância é definida como a propriedade ou
qualidade do que é ressonante; fenômeno físico pelo qual o ar de uma cavidade é suscetível de vibrar com
freqüência determinada, por influência de um corpo sonoro, produzindo reforço de vibrações. Já, num
enfoque da fonoaudiologia, ressonância é considerada como sendo o "uso adequado de algumas cavidades
ósseas supra e infraglóticas, que com a vibração do ar vão permitir uma maior projeção vocal".1
Respeitando essas informações para o trabalho, as atividades desta etapa poderão ser
encaminhadas a partir das diretrizes apontadas por Grotowski com relação à ressonância no trabalho vocal
do ator:
"(...) Para cada situação, e para a sua interpretação pela voz, pode-se tentar encontrar a ressonância
apropriada. Isto se aplica ao treinamento, mas não ao preparo do papel. Os exercícios e o trabalho criativo
não devem se misturar.(...) Meu princípio básico é o seguinte: não pense no instrumento vocal, não pense
nas palavras, mas reaja - reaja com o corpo. O corpo é o primeiro vibrador, a primeira caixa de
ressonância"2
O corpo humano, segundo Klaus Vianna, permite uma variedade infinita de movimentos,
que brotam de impulsos interiores e se exteriorizam através do gesto, compondo uma relação íntima com o
ritmo, o espaço, o desenho da emoções, dos sentimentos e das intenções.3 Tal afirmação, permite-nos
experimentar no trabalho do corpo-sonoro com o estudo das ressonâncias, os impulsos corporais geradores
de ações vocais.
Com isso, o exercício vocal com palavras e textos ganham uma dimensão sensível de
sonoridades corporais. Quanto a essa referência, Peter Brook apresenta, tomando como exemplo a
produção de Shakespeare, a seguinte afirmação:
"As palavras de Shakespeare são documentação das palavras que ele queria que fossem faladas, palavras
destinadas a sair em forma de sons, dos lábios de gente viva, com um tanto de entonação, de pausa, de
ritmo e gesto que deviam fazer parte integrante de significado verbal. Uma palavra não começa sendo uma
palavra - é o produto final iniciado com um impulso, estimulado por atitude e comportamento, por sua vez
ditados pela necessidade de expressão".4
Ainda, em relação ao trabalho vocal do ator, temos algumas preciosas referências deixadas
por pesquisadores teatrais da modernidade. Para aprofundarmos um pouco mais neste tema,
apresentaremos, resumidamente, alguns conceitos apontados por Stanislavski, Artaud, Brecht e Grotowski.
REFERÊNCIAS DOS CONCEITOS DE STANISLAVSKI EM RELAÇÃO A VOZ
O aspecto primeiro do estudo da voz, considerado no sistema de Stanislavski, é a
necessidade de treinamento sistemático do instrumental do ator, como forma de conquistar um controle
sobre o aparato físico e vocal.
Neste sentido, o aparelho vocal deve receber um tratamento que o torne capaz de, quando
na relação com o texto, quando na relação com a personagem, quando na relação com a cena, "reproduzir -
instantânea e exatamente - sentimentos delicadíssimos e quase intangíveis, com grande sensibilidade e o
mais diretamente possível."5
Reconhece que o ator não deve recorrer aos costumeiros procedimentos banais:
"E quanto mais conteúdo espiritual e sentimento eu punha na frase, tanto mais pesado e sem sentido ficava
o texto e mais inexeqüível a tarefa. Criava-se uma situação de violência que, como sempre, me levava a me
autoviolentar e contorcer-me em espasmos. A respiração fugia, a voz amortecida e rouca, seu diapasão se
reduzia a umas cinco notas, diminuía a sua força. Em vez de cantar a voz batia. Tentando dar-lhe mais
sonoridade, eu recorria involuntariamente aos costumeiros procedimentos banais dos atores, ou seja, ao
falso pathos, às cadências vocais, às fiorituras."6
Trata-se pois, sua proposta de formação, de um procedimento técnico que busca
desenvolver o potencial expressivo do aparelho vocal a partir de estudos de elementos como a dicção, o
canto, as entonações, o tempo-rítmo no falar, etc.
A apreciação de Stanislavski sobre as atividades técnicas do canto lírico reforça a
importância de exercícios para colocação da respiração e do som, e acrescenta a necessidade da procura de
melhores métodos para o desenvolvimento da fala a partir do aprofundamento da musicalidade da palavras:
"A Fala é música. o texto de um papel ou uma peça é uma melodia, uma ópera ou uma sinfonia. A
pronunciação no palco é uma arte tão difícil como cantar, exige treino e uma técnica raiando pela
virtuosidade. Quando um ator de voz bem trabalhada e magnífica técnica vocal diz as palavras de seu
papel, sou completamente transportado por sua suprema arte. Se ele for rítmico, sou involuntariamente
envolvido pelo ritmo e tom de sua fala, ela me comove. Se ele próprio penetra fundo na alma das palavras
do seu papel, carrega-me com ele aos lugares secretos da composição do dramaturgo, bem como aos da sua
própria alma. Quando um ator acrescenta o vívido ornamento do som àquele conteúdo vivo das palavras,
faz-me vislumbrar com uma visão interior as imagens que amoldou com sua própria imaginação criadora"7
Afirma que só depois de ter compreendido que as letras são apenas símbolos de sons, que
exigem a execução de seu conteúdo, é que se viu confrontado com o problema de aprender essas formas
sonoras a fim de melhor preencher o conteúdo.
Stanislavski estabelece fundamentos precisos sobre como desenvolver a voz do ator à
partir da busca da sensação das palavras:
"Não basta que o próprio ator sinta prazer com o som de sua fala, ele deve também tornar possível ao
público presente no teatro ouvir e compreender o que quer que mereça a sua atenção. As palavras e a
entonação devem chegar aos seus ouvidos sem esforços. Isso requer muita habilidade. Quando a adquiri,
compreendi o que chamamos a sensação das palavras. (...)Todo ator deve-se assenhorar de uma excelente
dicção e pronunciamento, deve sentir não somente as frases e as palavras, mas também cada sílaba, cada
letra"8
A partir dessas considerações é possível observar a consistência do processo de
estruturação de um sistema de abordagem para o treinamento da voz. Ainda que haja explícita a opção por
uma estética determinada com um forte acento na palavra, pode-se verificar que o objetivo é o
desenvolvimento da produção da voz e da possibilidade de criação da fala em diferentes contextos e
estilos:
"Sua função (fala), é transmitir por meio de palavras quer os sentimentos exaltados do estilo trágico, quer a
fala simples, íntima, graciosa, do drama e da comédia(...) Em cena, a função da palavra é a de despertar
toda sorte de sentimentos, desejos, pensamentos, imagens interiores, sensações visuais, auditivas e outras,
no ator, em seus comparsas e - por intermédio deles, conjuntamente - no público."9
A maestria do bem falar implica no excelente preparo físico e no entendimento de que uma
palavra não é apenas um som, é uma evocação de imagens, de significados. Para Stanislavski, o ator
quando estiver em intercâmbio verbal em cena, deve falar menos para o ouvido do que para a vista.
Depreende-se também deste sistema de abordagem que o ator deve compreender bem a
linguagem trabalhada para encaminhamento da criação verbal. Nessa perspectiva, esta criação da fala se
insere no conjunto de elementos técnicos sugeridos para a caracterização interna e externa da personagem.
Para Stanislavski o ator deve procurar estar sempre de "bem com a voz", pois como afirma:
"Estar de bem com a voz é uma benção não só para a primadona mas também para o artista dramático.
Sentir que temos o poder de dirigir nossos sons, comandar sua obediência, saber que eles forçosamente
transmitirão os menores detalhes, modulações, matizes da nossa criatividade."10
REFERÊNCIAS DOS CONCEITOS DE ARTAUD EM RELAÇÃO A VOZ
"Abandonando as utilizações ocidentais da palavra, ela [a linguagem de teatro] faz sortilégios com as
palavras. Ela empurra a voz. Utiliza vibrações e qualidades da voz. Marca ritmos alucinados. Martela sons.
Procura exaltar, entorpecer, encantar, estancar a sensibilidade."(Antonin Artaud - "Le Théâtre de la
Cruauté, premier manifeste")11
Artaud formula, no início do século XX, alguns conceitos com relação a voz que a
consideram um instrumento musical a serviço de um novo teatro. No estudo técnico A encenação e a
metafísica, Artaud aponta seu manifesto contra o teatro essencialmente dialogado construído por uma
dramaturgia:
"(...) como é que o teatro ocidental não enxerga o teatro sob um outro aspecto que não o do teatro
dialogado? (...) o diálogo -coisa escrita e falada - não pertence especificamente a cena, pertence ao livro."12
No seu entender, a voz deve, através de qualidades e vibrações de sons não habituais,
comunicar a sensibilidade do espectador, pois a cena é um lugar físico e concreto que necessita ser
preenchido com a sua linguagem concreta. Esta linguagem, segundo Artaud, consiste de tudo que ocupa a
cena, de tudo aquilo que pode se manifestar e exprimir materialmente numa cena.
Neste sentido, é necessário a exploração de toda a plenitude e materialização física da voz,
tendo como princípio as vibrações, as modulações, as evoluções e os diferentes registros vocais.
Deste modo, as palavras devem assumir na interpretação outros significados com base na
sonoridade e movimento da voz.
Esta amplitude vocal a ser conquistada assenta-se no desenvolvimento das potencialidades
corporais do ator. No estudo técnico um atletismo afetivo, Artaud fala da necessidade do ator de tomar
consciência de uma "espécie de musculatura afetiva" que corresponda às localizações físicas dos
sentimentos.
Poucas vezes, especificamente, Artaud fala do trabalho do ator. É evidente, porém, que a
exigência técnica de sua poética focaliza o trabalho corporal e vocal, pois, como ele afirma, o ator que não
faz gestos, se mexe, sem dúvida brutaliza as formas, mas por trás dessas formas, e através de sua
destruição, ele alcança aquilo que sobrevive às formas e produz a continuação delas.
REFERÊNCIAS DOS CONCEITOS DE BRECHT EM RELAÇÃO A VOZ
"O ator tem de saber falar com clareza, por exemplo, o que não é uma simples questão de consoantes e
vogais, mas sobretudo, uma questão de sentido. Se não aprender a extrair simultaneamente o sentido das
suas réplicas, irá articulá-las, apenas de uma forma mecânica. prejudicando o sentido pela sua 'bela dicção',
justamente. (...) O ator tem de aprender a economizar a sua voz; não deve enrouquecer. Mas tem que ser
também capaz, naturalmente, de nos mostrar um homem tomado de paixão, a falar roucamente, ou a gritar.
Os seus exercícios vocais deverão ter, por conseguinte, caráter de treinamento." (B Brecht)
Embora Brecht reconheça a importância do trabalho vocal do ator, ele não fornece
diretamente procedimentos técnicos de treinamento. Há porém, em suas fundamentações e concepções
estéticas, conceitos valiosos para a compreensão de possíveis tratamentos do material vocal do ator na
composição.
O texto abaixo de Gerd Alberto Bornhein, fragmento de uma análise sobre o efeito de
distanciamento na poética de Brecht, apresenta dados importantes quanto ao tratamento da fala:
"Mas outros recursos se fazem necessários. Antes de tudo, o trabalho do ator. Nada deve levar a empatia.
Estabelece-se agora uma novidade no comércio entre o espectador e o ator. Em última instância, o ator fala
diretamente ao espectador, no sentido de que, em vez de estar dentro do personagem, o ator deve relatar o
personagem ao público. O ator sempre deve ir além do personagem e do seu horizonte estrito. Porque
desse modo ele mantém a sua identidade própria de ator, e, concomitantemente mostra a identidade do
personagem, com a qual não se mistura. Além disso, o ator assume ainda outra 'mudança de função'
quando canta. Estritamente proibido é passar do nível da fala para o do canto como se nada tivesse
acontecido.(...) Melhor, existem três níveis: o falar sóbrio, o falar elevado e o canto, e tais níveis devem
permanecer separados, sem que suscitem a impressão de uma passagem natural de um para o outro. E aqui
também, quando canta, o ator não pode ser cantor, mas deve mostrar sê-lo, esse afastamento do conteúdo
sentimental se faz pelo recurso a gestos, que são por assim dizer os costumes e os hábitos do corpo."13
O percurso artístico de Brecht conta com momentos de diferentes características que, em
um movimento progressivo, vai estabelecer uma concepção da "representação épica". Entre outras
determinantes deste estilo de representação, a fala ganha outro estatuto dentro da comunicação teatral.
Sobretudo, se vista com o olhar da escola realista.
Neste sentido, ao afirmar a inter-relação do gesto e da fala na construção da representação,
Brecht delimita que no trabalho de formação do ator deve constar um preciso estudo corporal e vocal.
Com referência ao tratamento da fala e do canto na interpretação, Brecht aponta
procedimentos precisos para o ator. Pode-se observar em suas teorias uma preocupação clara em fornecer
indicações de como o ator pode se defrontar com seus textos. John Willet aponta alguns aspectos:
"Outro método era fazer que cada ator usasse o seu próprio dialeto local nos ensaios de modo que o texto
conservassem um certo frescor, embora o seu conteúdo fosse familiar. Ainda outro método era fazer o ator
mudar o tempo do verbo em seu papel, acrescentar 'disse o homem', 'disse ela', no final de cada fala, ou
tentar dizer e imaginar cada frase em termos de 'não...mas', para deixar claro que cada frase tem sua
alternativa não falada ('dialética'). Tudo isso eram outras tantas ajudas para a compreensão do ator,
refletindo a concepção brechtiana de 'como se deve ensaiar um papel; isto é, escutando cuidadosamente
quando o próprio está falando e tomando francamente acessíveis à platéia as características humanas que
observamos em nós próprios."14
Quanto ao canto, elemento fundamental em sua composição dramatúrgica, Brecht
acrescenta:
"Nada existe de mais revoltante que o ator que finge não ter percebido que saiu do nível da fala corrente e
começou a cantar. Os três níveis - fala corrente, fala grandiloqüente e canto - devem manter-se sempre
distintos... Quanto à melodia, não deve obedecer-lhe cegamente: existe uma espécie de fala contra-amúsica
que pode ter poderosos efeitos; os resultados de uma obstinada e incorruptível sobriedade que é
independente de música e ritmo."15
A profundidade da obra de Brecht e a consistência dos seus princípios estéticos exigem
cuidados específicos àqueles que pretendem mergulhar em seu universo. Sua dramaturgia é construída por
elementos técnicos organizados e orientados em direção a um fim preciso.
Deste modo, com relação aos aspectos fundamentais em relação a voz, a maneira mais
indicada para uma aproximação de análise técnica de sua obra é, talvez, não se apegar em indicações
localizadas no tempo - direcionadas a atores que vivenciaram outros padrões estéticos - mas sim, procurar
compreender seu conceito sobre o teatro e a posição deste num campo de forças econômicas e sociais.
REFERÊNCIAS DOS CONCEITOS DE GROTOWSKI EM RELAÇÃO A VOZ
"O meio, o espírito da época, a mentalidade, tudo pode constituir sério obstáculo para a formação de uma
boa voz. O erro mais elementar, e que necessita da mais urgente correção, é a supertensão da voz,
unicamente porque as pessoas se esquecem de falar com o corpo."
(Jerzy Grotowski)
O trabalho de Grotowski, realizado através de pesquisa e estruturação da formação de
atores, é marcado, principalmente, por dois momentos.
O primeiro estágio das pesquisas, quando no conjunto de atividades desenvolvidas na
"busca de um teatro pobre", oferece procedimentos precisos e sistematizados para o desenvolvimento do
material criativo do ator.
O estudo da técnica da voz, como parte do treinamento do ator, reúne uma série de
exercícios voltados para o aprimoramento do instrumental vocal:
"Atenção especial deve ser prestada ao poder da emissão da voz de modo que o espectador não apenas
escute a voz do ator perfeitamente, mas seja penetrado por ela como se fosse estereofônica."16
Neste sentido, Grotowski considera de fundamental importância o desenvolvimento de
uma técnica de respiração necessária para um bom poder de emissão vocal. Também, a exploração da
amplificação do som por caixas de ressonância fisiológicas.
Na busca da força e do desimpedimento da coluna de ar que sai para a emissão do som,
Grotowski aconselha ao ator ter um cuidado especial com a abertura da laringe, quando se fala e respira,
pois o fechamento da laringe impede uma emissão correta do ar prejudicando o uso da voz.
O trabalho das caixas de ressonância objetiva o aumento do poder de emissão do som.
Trata-se de potencializar partes específicas do corpo como um amplificador da voz:
"Na realidade, há um número quase infinito de caixas de ressonância, dependendo do controle que o ator
exerce sobre seu instrumental físico.(...) A possibilidade mais frutífera está no uso de todo o corpo como
caixa de ressonância. Isto é obtido pelo uso simultâneo das ressonância do peito e da cabeça."17
Segundo Grotowski, a coluna de ar utilizada na amplificação da voz necessita de uma base
(base da voz). Portanto, o ator deve aprender a encontrar internamente a base para esta coluna de ar.
Com relação a impostação da voz, percebe-se uma preocupação pedagógica por parte de
Grotowski, quanto aos melhores procedimentos que relacionem os exercícios de impostação às
necessidades do ator quando no tratamento da poética da fala:
"Há duas maneiras diferentes de impostar a voz, uma para atores e outra para cantores, já que seus
objetivos são bastante diferentes. (...) As escolas de teatro muitas vezes cometem o engano de ensinar o
futuro ator a impostar sua voz para cantar. A razão disso é que muitas vezes os professores são ex-cantores
de ópera e, frequentemente, um instrumento musical (o piano) é usado para acompanhar os exercícios
vocais."18
O universo imaginário do ator é, conjuntamente, trabalhado no treinamento. Com os
exercícios orgânicos, é possível a exploração, a partir de uma pesquisa individual, dos aparelhos
respiratório e vocal, em relação às várias exigências de um papel. É fundamental, portanto, que o ator
trabalhando a imaginação vocal aprenda a enriquecer suas faculdades criativas e desenvolver a habilidade
de falar em registros que não são os seus naturais.
Como forma de aprimoramento da produção do material vocal do ator, a dicção é um
elemento primordial que deve ser trabalhada sistematicamente. No exercício do ator, afirma Grotowski,
cada papel necessita de um tipo de dicção diferente e, mesmo dentro da estrutura do mesmo papel, as
possibilidades oferecidas pelas modificações de dicção, de acordo com as circunstâncias e situações,
devem ser exploradas ao máximo.
Grotowski determina procedimentos práticos constituintes de uma técnica de pronúncia
provedora de um modelo de abordagem do texto quando na criação e na representação:
"A capacidade de manipular frases é importante e necessária na representação. A frase é uma unidade
integral, emocional e lógica, que pode ser mantida por uma única onda expiratória e melódica.."19
São fornecidas orientações de como pesquisar e aplicar precisamente na criação, elementos
como: o ritmo, o acento tônico, a respiração e a pausa na declamação das frases.
No pesquisas mais recentes desenvolvidas por Grotowski, no que diz respeito ao trabalho
vocal, verifica-se um acento mais forte na investigação da ação vocal através de cantos antigos:
"Trabalhamos sobre ações ligadas aos antigos cantos vibratórios, os cantos que serviram no passado a
propósitos rituais e que tem portanto um impacto direto sobre - como se diz - a cabeça, o coração e o corpo
dos 'atuantes'. Cantos que fazem passar de uma energia vital a uma energia mais sutil."20
Com referência ao conteúdo desenvolvido neste período das pesquisas de Grotowski - "A
Arte como Veículo" ou "A Objetividade do Ritual" - os materiais de aproximação dos conteúdos
abordados são raros e, ainda, pouco acessíveis. Qualquer afirmação em relação a essas investigações é
perigosa pela fragilidade das informações. Sabe-se, portanto, de referências contidas em um livro
publicado por Thomas Richards - "Travailler Avec Grotowski sur les actions physúques" - ator
pesquisados do Workcenter Grotowski, além de algumas publicações de artigos e entrevistas feitas por
Grotowski.
Para possíveis questionamentos com relação aos conceitos inferidos de suas pesquisas,
Grotowski argumenta com uma prática reconhecidamente eficiente e transformadora da arte do ator. Ainda
sobre a voz, aconselha que todo ator recomece periodicamente tudo de novo, aprendendo a respirar, a
pronunciar e a usar suas caixas de ressonância, para constante adaptação técnica da voz em relação às
modificações estruturais do corpo.
1 Léslie Piccolotto Ferreira (org.). Trabalhando a voz: vários enfoques em fonoaudilogia. São Paulo:
Summus, 1988.
2 GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um Teatro Pobre. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. p.138
3 VIANNA, Klaus. A Dança. São Paulo: Siciliano, 1990.
4 BROOK, Peter. O Teatro e seu Espaço, Rio de Janeiro: Vozes, 1970.
5 STANISLAVSKI, Constantin S. Preparação do Ator. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
6 STANISLAVSKI, Constantin S. Minha Vida na Arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.
p. 491.
7 STANISLAVSKI, Constantin S. A Construção da Personagem, 3. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1983. p. 106.
8 Idem, p. 106-109.
9 Idem, p. 119 - 138.
10Idem, p. 107.
11 ARTAUD apud RUBINE, Jean-Jacques. A arte do ator.Tradução Yan Michalski e Rosyne Trotta. Rio de
Janeiro: Zahar, 1987.
12 ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
13 BORNHEIN, Gerd Alberto. Brecht: A estética do teatro. Rio de Janeiro: Graal, 1992. p. 180.
14 WILLER, John. O teatro de Brecht visto de oito aspectos. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro:
Zahar, 1967. p. 199-200.
15 BRECHT apud WILLER, John. O teatro de Brecht visto de oito aspectos. Tradução de Álvaro Cabral. Rio
de Janeiro: Zahar, 1967. (Notas de Brecht sobre a Ópera de Três Vinténs).
16 Grotowski, op. cit., p. 99.
17 Idem, p.106-107.
18 Idem, p. 109.
19 Idem, p. 124.
20 Workcenterof Jerzy Grotowski and Thomas Richards. São Paulo: SESC / Centro de Pesquisa Teatral,
outubro de 1996. (Tradução da entrevista publicada no do Jornal Libération - Paris/França - em 26 de
julho de 1995).

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