quinta-feira, 23 de abril de 2009

Criatividade na rede: a potencialização de idéias criativas em ambientes hipertextuais de aprendizagem

Creativity in the network: the potentiality of creative ideas in hypertext learning environments

Ângela Álvares Correia Dias" e Karina da Silva Moura"

Faculdade de Educação, Universidade de Brasília (UnB), Brasília, Distrito Federal, Brasil

Resumo

Este artigo tem como objetivo apresentar e problematizar possibilidades do hipertexto como estratégia para a promoção de ambientes educativos propícios ao desenvolvimento da criatividade. Todos nós possuímos um potencial criativo, importante para a solução de problemas cotidianos, e esse potencial se desenvolve em resposta aos novos desafios e situações que a sociedade vivencia. Assim, a educação na contemporaneidade tem sido instada a cumprir o papel de oportunizadora e propiciadora do desenvolvimento e formação de cidadãos criativos, preparados para a atuação numa sociedade marcada pelo dinamismo. Nessa perspectiva, adotamos o hipertexto como um ambiente potencializador do diálogo e do compartilhamento de experiências, que subsidiem a introdução/adaptação e a criação de mudanças significativas para o desenvolvimento de processos de aprendizagem sistemicamente mais criativos. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12.

Palavras-Chave: Criatividade; Hipertexto; Educação.

Abstract


This article has as objective presents and to problematize possibilities of the hypertext as strategy for the promotion of favorable educational environment to the development of the creativity. All of us possessed a creative potential, important for the solution of daily problems, and that potential grows in response to the new challenges and situations that the society lives. Like this, the education in the contemporary society has been urged to accomplish the role of promoting the development and creative citizens' formation, prepared for the performance in a society marked by the dynamism. In that perspective, we adopted the hypertext as an potential environment of the dialogue and of the sharing of experiences, that subsidize the introduction / adaptation and the creation of significant changes for the development of processes of learning more creative. © Ciências & Cognição 2007; Vol. 12.

Keywords: Creativity; Hipertext; Education.

1. Introdução

“Criatividade consiste em ver o que todo mundo vê e perceber o que ninguém percebeu”
Maury Fernandes (1998: 164)

A criatividade tem sido objeto de diversos estudos acadêmicos e publicações variadas. Essa multiplicidade de discursos a respeito da criatividade se justifica pelo caráter complexo desse constructo que se expressa em diferentes contextos e implica, para sua definição, uma percepção subjetiva que lhe confere certo grau de relatividade.
A criatividade se expressa em diferentes áreas da atuação humana – trabalho, educação, relações pessoais, organização empresarial, produção comercial, ciência e tecnologia, esportes, artes, artesanato e outras. Este trabalho, contudo, tem sua fundamentação e subsídios provocadores advindos de estudos a respeito da criatividade em um contexto hipertextual de aprendizagem.

“Quando nos referimos à criatividade dos alunos, estamos nos referindo a sua criatividade numa área específica: sua criatividade no processo de aprendizagem.” (Mitjáns Martínez, 2002: 192)

As ponderações aqui relatadas fundamentam-se nos estudos relacionados à preparação e desenvolvimento do minicurso “Educação e hipertexto – criatividade na rede”, apresentado na VI Semana de Extensão da UnB – Criatividade e Produção do Conhecimento, no período de 19 a 20/10/2006, constituindo-se em um desdobramento dessa atividade.
Neste artigo, – assim como foi realizado no minicurso – são apresentadas reflexões acerca das mudanças nas formas de experienciar o mundo, as outras pessoas e a si mesmo, que são potencializadas pelas vivências em ambientes hipertextuais. Nesse sentido, são apresentadas e problematizadas possibilidades do hipertexto como estratégia para a promoção de ambientes educativos propícios ao desenvolvimento da criatividade.

2. Tecendo os fios da criatividade

O potencial criativo do ser humano se desenvolve em resposta aos novos desafios e situações que a sociedade vivencia. O pensamento criativo é essencial para o desenvolvimento de uma compreensão ampla e ativa nas interações com múltiplos problemas e situações presentes num mundo cada vez mais complexo.
Criatividade é um conceito muito amplo e envolve um misto de situações, devido à complexidade desse conceito inúmeras definições são possíveis, sejam elas relativas ao processo criativo, à pessoa criativa, ao produto, ao ambiente, à expressão. Neste trabalho, consideramos criatividade como:

“o processo que resulta na emergência de um novo produto (bem ou serviço), aceito como útil, satisfatório e/ou de valor por um número significativo de pessoas em algum ponto no tempo.” (Alencar, 1998: 15)

A exigência para que se tenha uma idéia criativa é que esta origine um produto novo, pelo menos para o sujeito que o gerou. No entanto, uma idéia criativa nem sempre é reconhecida de imediato, às vezes são necessário anos até que um produto seja reconhecido e declarado de valor pela sociedade. O reconhecimento desse produto depende de uma das últimas fases do processo criativo, a comunicação.

“Durante o processo criativo a pessoa tira algo de si e comunica esse algo ao outro. Comunicar é o melhor momento do processo criativo.” (Sátiro, 2002: 229)

Criatividade, apesar de sua amplitude conceitual, não descreve uma pessoa, descreve idéias, produtos que são novos, o que descreve uma pessoa são os seus comportamentos criativos, como motivação, abertura à experiência, independência, flexibilidade, autoconfiança, dentre outros.
Outro conceito muito próximo ao conceito de criatividade é o do termo inovação. Muitas vezes, por falta de clareza, esses dois conceitos são utilizados como sinônimos. Apesar de esses dois conceitos estarem intimamente interligados, a inovação pressupõe que algo criativo já tenha sido gerado.
Inovar significa introduzir novidade, adotar e implementar uma nova idéia (processo, bem ou serviço) em uma dada situação como resposta a um problema percebido, transformando a nova idéia em algo concreto (Alencar, 1998). Assim, inovar depende que idéias criativas tenham sido elaboradas a priori, de modo que estas idéias são reelaboradas e adaptadas a um novo contexto. Esse processo intencional é realizado sempre visando um benefício, transferindo-se uma idéia proveitosa que foi implementada em determinado ambiente para outro contexto que necessita dos mesmos melhoramentos.
Nesse sentido, criar exige muito mais do sujeito que o ato de inovar, criatividade é um processo que resulta de um comportamento produtivo, construtivo, contribuição para; atitude que demanda conhecimento, imaginação e avaliação; implica desafiar, ver novas maneiras, arriscar-se, sendo necessário, dessa forma, condições de inventividade que abram espaços para apreensões, dúvidas e perguntas; não é um atributo de indivíduos, mas dos sistemas sociais que fazem julgamento sobre os indivíduos (aquele que imprime em seu contexto suas variações individuais).

3. No labirinto da concepção hipertextual

O conhecimento é tecido por fios advindos de inúmeros lugares, de diferentes campos do saber e de diversas naturezas, que se entrelaçam em um constante movimento, tecendo-se e destecendo-se, de modo a formar uma rede hipertextual. O hipertexto1 é uma construção aberta, propícia às relações dialógicas2 entre os caminhantes da rede, e formada por diversos gêneros discursivos – sejam jornais, filmes, poesias, músicas, literatura, pinturas, livros, mídias, esculturas, propagandas, dentre vários outros – que trazem inúmeras vozes3 que dialogam de modo a construir os mais diversos conhecimentos.
O hipertexto flexibiliza as barreiras entre os diferentes campos do conhecimento, possibilitando infinitas conexões entre as informações de modo reticular. Assim, o hipertexto se configura como um mundo de significação a ser explorado, de maneira que o hipertexto:

“é talvez uma metáfora válida para todas as esferas da realidade em que significações estejam em jogo.” (Lévy, 1997: 25)

A rede é uma forma de organização democrática, constituída por elementos autônomos, mas que cooperam entre si e se interligam de modo a complementar-se e enriquecer-se. São as articulações que fortalecem e expandem a rede de conhecimentos, demonstrando que uma das principais características das redes é a sua capacidade de existir sem hierarquia. Da mesma forma, a rede não possui um centro único, mas todas as suas conexões se constituem em pontos da rede, locais onde ocorrem as inter-relações entre os diversos elementos da rede, o que constitui a multiplicidade do conhecimento.
A rede hipertextual favorece um pensamento não-linear, onde o leitor-caminhante é um sujeito ativo, que está a todo o momento estabelecendo relações próprias entre diversos caminhos4. Nessa perspectiva, é preciso preocupar-se com o percurso, nas múltiplas e ininterruptas conexões e articulações nas quais o sujeito vai descobrindo, revelando, recriando significados. As possibilidades de trajeto que os sujeitos podem estabelecer nas redes de conhecimentos se dão de forma não-linear, em um processo de construção de sentido por meio da conexão de diversos e diferentes textos5 verbais e não-verbais, que possibilitam a articulação de vários conteúdos e a negociação/interpretação dos sentidos6.
Assim, o hipertexto é uma rede comunicacional/social alimentada por informações que possibilita aos seus exploradores construírem diferentes compreensões, devido à sua natureza rizomática e estrutura labiríntica. Como um labirinto7 a ser explorado, a rede hipertextual promete aos seus exploradores surpresas e percursos desconhecidos.
O labirinto rizomático é um labirinto aberto a todos os pontos de vistas e sentidos e totalmente conectável, em todas as direções, possui um “caráter de revelação. Interagir (no amplo sentido [...]) com a obra faz com que a pessoa obtenha uma outra percepção do mundo” (Leão, 2002: 161). Esse tipo de labirinto, porém, exige uma participação especial dos seus exploradores, uma participação mais colaborativa, pois o sujeito:

“tem de necessariamente querer penetrar no labirinto. No caso de um labirinto textual, isso significaria o esforço intelectual que é exigido para a compreensão.” (Leão, 2002: 160)

Aprender é construir um labirinto, inventar percursos, procurar situações desafiantes, decifrar enigmas. É construir um labirinto com movimentos (uma dança), num ritmo de movimentos alternantes, onde os labirintos se desdobram em infinitos labirintos durante o percurso. As estruturas se reconstroem, desdobram-se e se proliferam à medida que novos caminhos são desbravados, de modo que este é um espaço que se cria mediante o ato de caminhar.

“Podemos conceber a complexidade labiríntica também como um território repleto de encruzilhadas no qual os caminhos bifurcam-se o tempo todo.” (Leão, 2002: 32)

ssim, o hipertexto se constitui em um labirinto multicursal, onde cada caminho, cada ponto da rede de conhecimento se desdobra em diversos outros caminhos, abrindo inúmeras possibilidades de trajeto. Esses desafios que surgem ao longo da jornada que impulsionam a constante busca por orientação.
São as constantes bifurcações que possibilitam diferentes escolhas aos sujeitos/leitores que se aventuram em caminhos desconhecidos, rompendo com a linearidade e propondo descobertas/leituras mais inusitadas.

“Um olhar investigativo das redes revela-nos que existe, por trás do aparente caos, uma ordem complexa. Assim, o labirinto fala-nos desse caos ordenado, de uma estrutura complexa que requer um tremendo esforço para ser decifrada.” (Leão, 2002: 36)

Os labirintos exigem simultaneamente criatividade para percorrê-lo, no sentido de quem realiza uma obra, revelando o percurso doloroso da criação, com suas idas e vindas e com seus múltiplos erros e acertos, e um alto grau da ação reflexiva, para penetrá-los e compreendê-los, de modo a “extrair um todo coerente de seus meandros” (Leão, 2002: 22).
Os labirintos são construções complexas que evocam inúmeras inter-relações entre referências que seriam contraditórias de acordo com uma visão linear. Nesses ambientes se entrelaçam inúmeros sentidos e significados, em uma constante polissemia. São essas idéias contraditórias que estão nas bases das bifurcações, são pares opostos, mas complementares entre si, que incorporam antinomias como “ordem & caos, prisão & liberdade, linearidade & circularidade, clareza & complexidade, instabilidade & estabilidade” (Leão, 2002: 20).
Nessa perspectiva, estabelece-se uma nova forma de julgar os antigos dualismos, propiciando um novo olhar sobre suas complexas relações. Podemos observar que os caminhos se bifurcam, mas um não nega a existência do outro. Ao contrário, para existirem caminhos opostos, pelo menos duas alternativas de percurso devem coexistir, escolhas que não compõem somente numa bifurcação entre certo e errado, mas constroem um “fascinante labirinto de idéias que se entrelaçam e se conjugam” (Leão, 2002: 42).

4. As barreiras e os descaminhos do processo criativo

A criatividade é o “recurso mais precioso de que o ser humano dispõe para lidar com os problemas e desafios” (Virgolim, 1998: 07). Entretanto, esse dom natural do ser humano, muitas vezes é reprimido desde a infância, como por exemplo, pelo modelo educativo que possuímos atualmente. Esse modelo não estimula o pensamento criativo, levantando barreiras para deixar de fora das aulas a imaginação e a fantasia, privilegiando a reprodução e a memorização como formas de ensino.
O processo criativo envolve independência e curiosidade. Aprender sempre mais de forma diferente e flexível. O atual sistema de ensino, ao não valorizar o desenvolvimento da criatividade, tem “subestimado o potencial criativo de seus alunos. Uma possibilidade de explorarmos nosso potencial criativo reside na perspectiva de aprendermos a brincar com nossos pensamentos e idéias. A criatividade apresenta-se como elemento indispensável na prática educacional e na vida diária” (Virgolim, 1998: 28).
A educação tem o papel de oportunizadora e propiciadora do desenvolvimento e formação de cidadãos criativos, preparados para a atuação numa sociedade marcada pelo dinamismo. Entretanto, como afirma Alencar (1986), a escola, com freqüência, tem fracassado nessa tarefa de favorecer a criatividade, pois:

“dá ênfase exagerada ao conformismo, à passividade e à estereotipia, em detrimento de certas condições que favorecem a manifestação da criatividade, como a intuição, a abertura aos sentimentos e emoções, interesses estéticos e curiosidade.” (Alencar, 1986: 33)

E não só a escola, mas a sociedade como um todo, cultivou ao longo do tempo vários pressupostos que impedem que o potencial criativo presente em todos os sujeitos/educandos se desenvolva, pressupostos rígidos segundo os quais:

“tudo tem que ter utilidade, tudo tem que dar certo, tudo tem que ser perfeito, não se pode divergir das normas impostas pela cultura etc.” (Alencar e Mitjáns Martínez, 1998: 25)

Uma das formas de se anular totalmente o desenvolvimento de idéias criativas é privilegiando o produto final, trazido pelos educandos, que seu processo de criação. Esse produto final, muitas vezes, ainda é avaliado, comparado de forma taxativa e, se não estiver adequado aos moldes estabelecidos pelo processo de avaliação, são desprezados todos os esforços criativos dos seus criadores.
Esse é resultado de um processo educativo autoritário onde a prioridade é a transmissão do conhecimento, ao invés de sua construção. Onde a aprendizagem é vista como um processo individual, na qual é priorizado o produto final e não o processo pelo qual esta acontece, possuindo um fim em si mesma, onde o educando não atua, sendo considerado como um simples objeto do processo educativo.
A escola se constitui em um agente responsável pela formação integral do educando, para que no futuro este possa fazer parte da sociedade ao se engajar em uma profissão. Contudo, o aluno não é preparado para o mundo, mas para passar na avaliação, a escola apenas repassa os aportes necessários para que os sujeitos obtenham o sucesso, de forma que esse depende exclusivamente do esforço individual, recaindo sobre os sujeitos toda a responsabilidade pelo seu sucesso ou fracasso. O educando é excluído do processo de construção do conhecimento, seu papel se restringe apenas à memorização de conceitos abstratos que lhe foram ensinados, de modo que todas as diferenças individuais e o contexto ao qual os educandos pertencem são ignorados.
A partir de todas essas barreiras que se impõem ao processo criativo, muitas questões nos são levantadas, tais como: Muitos professores não valorizam a criatividade no contexto escolar, será que esses professores não percebem a importância da criatividade na vida das pessoas? Ou será que acreditam que basta transmitir as informações que receberam no passado? Ou será que repetem as mesmas coisas ano após ano por comodismo? Já sabemos qual é o objetivo da criatividade na educação, agora, qual o objetivo da educação em uma sociedade que se apresenta cada vez mais criativa? O envolvimento pessoal dos estudantes em seu processo de aprendizagem é essencial, caso o estudante não apresente esse caráter ativo, como é desenvolvido o potencial criativo desse estudante durante o processo ensino-aprendizagem?
Como pudemos perceber, inúmeras são as barreiras impostas ao desenvolvimento da criatividade, desde barreiras sociais, que “se identificam com aqueles elementos culturais, institucionais, grupais, ideológicos etc., que, estando presentes no contexto onde o indivíduo atua, limitam sua expressão criativa” (Alencar e Mitjáns Martínez, 1998: 26), até barreiras do próprio sujeito, as barreiras pessoais, “aqueles elementos que freiam o indivíduo internamente, ou seja, aquelas características do próprio sujeito que limitam a sua criatividade.” (idem) Desse modo, as barreiras à criatividade são relativas, dependem tanto dos sujeitos como das situações.
Cultivar o pensamento criativo, desenvolvendo com os educandos as habilidades de perceberem lacunas, definirem problemas, coletarem e combinarem informações, elaborarem critérios para julgar soluções, testar soluções e elaborarem planos para implementação das soluções escolhidas, é indispensável no processo educativo. A criatividade é um dos valores mais importantes nessa época em que vivemos porque o que mais se aprecia neste momento são idéias. E as idéias surgem, em geral, no desenvolvimento de um processo educativo prazeroso que fertilize novas idéias e novas visões para nossas vidas.

5. Na teia da criatividade

Durante muito tempo, a criatividade foi objeto de estudo apenas do campo da Psicologia. Estudava-se a criatividade como algo inato aos sujeitos, uma característica individual e que, assim, o diferenciava dos demais. Mas com o passar do tempo, verificou-se que a criatividade também era condicionada pelo contexto onde os sujeitos participavam, concluindo-se que não era possível investigar o processo criativo estudando apenas a pessoa e esquecendo de todas as suas vivências. Assim:

“A criatividade depende também em larga escala das características do ambiente interno, como práticas interpessoais, sistemas de normas e valores, presença de incentivos e desafios, que podem estimular ou obstruir a criatividade.” (Alencar, 1998: 14)

Por meio da existência de um sujeito único evidencia-se não apenas um modo de ser individual, mas a possibilidade de um mundo transformado segundo os seus ideais. Uma das características de uma pessoa criativa é a sua complexidade, uma pessoa criativa não é facilmente compreendida de um ponto de vista linear, pois se manifesta de diferentes maneiras, em função de contextos distintos. Cada sujeito é diferente, o que gera significações diferentes, diversidade de sujeito, que ao se inserir numa concepção de educação mais dialógica abre possibilidades para um processo criativo de produção de significados. E para que isso seja possível, a Educação Hipertextual contribui para a constituição de uma atitude dialógica, oferecendo um ambiente de aprendizagem social e individual no sentido mais profundo da experiência de aprender.
Ao se realizar uma Educação Hipertextual objetiva-se formar um sujeito capaz de “ler” seu ambiente e interpretar as relações, os conflitos e os problemas que surgem. Esta leitura é realizada pelo sujeito, segundo suas condições históricas e culturais, quando este se inter-relaciona com um mundo de significados e, através de um processo de descoberta, encontra soluções criativas para seu dia-a-dia.
Para que essa aprendizagem ocorra, o ato de educar deve tornar-se uma aventura pela qual o sujeito e os sentidos do mundo vivido se construam mutuamente na dialética da compreensão/interpretação. Nesse sentido, o sujeito-intérprete estaria diante de um mundo-texto, mergulhado na polissemia e na aventura de produzir sentidos, construindo sua compreensão através da fusão de seus universos compreensivos que se encontram.
Esse tipo de educação para a criatividade suscita diferentes estilos de pensar e aprender dos educandos, o que exige a utilização de estratégias variadas de ensino-aprendizagem. Não basta uma educação calcada em uma única forma de ensinar e de aprender, é necessária a constituição de um espaço pluralizado, com variação de textos, gêneros, percursos, bifurcações e encruzilhadas, que possibilitem ao educando a experiência do caminhar e a constituição de um conhecimento múltiplo durante os trajetos da própria viagem.
Os percursos percorridos durante o processo criativo são os percursos de um labirinto, pois “atos criativos são atos de coragem. Primeiro, porque o criador de uma inovação técnica ou social está entrando em águas desconhecidas” (Frost apud Alencar, 1998: 16). Segundo, porque o explorador, como leitor/produtor, encontra em sua aventura no labirinto elementos indispensáveis para o desenvolvimento do processo criativo – como motivação, abertura à experiência, independência, flexibilidade, autoconfiança, multiplicidade, além de vários outros citados ao longo do texto.
A multiplicidade da rede de conhecimentos8 favorece uma dinâmica de organização que desencadeia processos imprevisíveis de criação. Assim, um ambiente propício ao desenvolvimento da criatividade deve possuir “disponibilidade de meios culturais, abertura a estímulos ambientais, livre acesso aos meios culturais por todos os cidadãos sem discriminação, exposição a estímulos culturais diferentes e mesmo antagônicos” (Alencar e Mitjáns Martínez, 1998: 24). Em outras palavras, uma educação atualizada, que utilize aportes teóricos do dia-a-dia dos educandos de forma a preparar cidadãos críticos para os desafios do mundo contemporâneo.
A escola pode estimular o pensamento criativo desenvolvendo e utilizando os talentos e habilidades dos alunos, incentivando-os a soltar a imaginação, explorando suas idéias e soluções criativas para diferentes situações e problemas.

“Os exercícios de criatividade propiciam uma abertura da sala de aula para a expressão do pensamento divergente, influindo no aumento da auto-estima dos alunos e na satisfação do aluno com o sistema escolar.” (Virgolim, 1998: 10)

É essencial que as escolas possibilitem aos alunos distintas alternativas para a expressão e o desenvolvimento do potencial criador, pois criar é algo inerente ao ser humano, estamos criando e inventando todo o tempo. Todos nós possuímos um potencial criativo e habilidades e talentos para inovar e inventar, sendo que as emoções, sensações e os sentimentos muitas vezes constituem-se em mola propulsora para o ato criativo.
A escola, frente suas dificuldades, deve procurar uma forma criativa para solucionar seus problemas e suprir suas necessidades, além disso, abrir possibilidade para que seus educandos desenvolvam seu potencial criativo, assim, estes “aprendem a sensibilizar-se com seus próprios problemas e a defini-los para solucioná-los criativamente” (Mitjáns Martínez, 2003: 147). A escola deve apresentar um contexto de apoio, ideal para trabalhar as expressões de mundo interna dos seus educandos.
Um contexto escolar baseado no compromisso de criar interações dinâmicas com a organização do trabalho pode motivar as pessoas a apresentarem soluções criativas para seus problemas, de modo a não deixar que os trabalhos oferecidos pela escola sejam interrompidos. Assim, as pessoas presentes no contexto escolar, a cada dia que passa, aumentam seu potencial criativo ao se envolver com a escola e ao traçar metas para alcançar seus objetivos.

“Os objetivos não têm de ser exatamente os mesmos para todos os estudantes. Os alunos são antes de tudo pessoas diferentes, com níveis diversificados de desenvolvimento motivacional e intelectual e diferentes áreas de interesses específicos. Dentro do possível, precisamos trabalhar com estas diferenças, contribuindo para que cada um se desenvolva o máximo.” (Mitjáns Martínez, 2003: 166)

Dessa forma, é importante trabalhar com as diferenças como forma de surgimento de diferentes atos criativos, cada um, em sua especificidade, desenvolve suas habilidades criativas e contribui para a escola de maneiras diferentes. E para que esse contexto favorável ao desenvolvimento da criatividade ocorra, é necessário estar sempre:

“Incentivando a curiosidade, propondo desafios inovadores e interessantes, reforçando uma auto-estima positiva, permitindo o erro, promovendo um ambiente de conforto emocional e de tolerância para com o fracasso e as frustrações.” (Virgolim, 1998: 24)

Nessa perspectiva, uma instituição educacional que valoriza cada pessoa envolvida em seu contexto tem possibilidades de oferecer uma educação de qualidade e incentivar a criatividade, o que irá proporcionar a formação de cidadãos conscientes de sua responsabilidade social. Assim, a escola pode direcionar “seu olhar para o futuro, exercitando a imaginação e a fantasia de seus alunos na tentativa de solucionar problemas e/ou situações que novos tempos sempre trazem” (Virgolim, 1998: 25).
Contudo, devemos considerar também que o “desenvolvimento da criatividade na educação passa necessariamente pelo nível da criatividade dos profissionais que nele se encontram.” (Alencar e Mitjáns Martínez, 1998: 31) Contribuir para o desenvolvimento da criatividade dos educandos supõe atitudes dos educadores que implicam certo grau de criatividade, no entanto, muitos educadores “não se sentem preparados para lidar com o desenvolvimento da Criatividade em sala de aula; têm dificuldades em diagnosticar atitudes criativas, em avaliá-las e em promovê-las” (Giglio, 1992: 94).
Por outro lado, também ouvimos muito que o “bom educador” é aquele que usa a criatividade, o carisma e ministra uma aula show, conseguindo conquistar todos os seus educandos. Se valorizarmos apenas a criatividade “inata” desse educador, acreditamos que uma docência de qualidade se baseia em talentos capazes de seduzir os educandos, significa desprezarmos o valor de uma formação profissional e de recursos voltados para o aprimoramento da prática pedagógica, desvalorizamos, assim, uma educação pautada na formação crítica, na construção do conhecimento, no estabelecimento de relações dialógicas e nos diversos recursos onde estão presentes os diferentes olhares, os diferentes discursos.
O que caracteriza um professor comprometido com o desenvolvimento da criatividade dos educandos não é o seu conhecimento dos métodos, mas a crença que sustenta sobre os estudantes e sobre si mesmo, pois:

“O professor criativo é capaz de transmitir e extrair de seus estudantes vivências emocionais positivas em relação à sua matéria, ao processo de aprendizagem e às realizações produtivas.” (Mitjáns Martínez, 2003: 185)

Quando o professor desenvolve sua prática pedagógica de forma lúdica que estimule o processo criativo, o ensino-aprendizagem se torna mais fácil, privilegiando a construção de conhecimentos.

6. Considerações finais

No contexto contemporâneo em que a sociedade se caracteriza pela globalidade e pela complexidade das dinâmicas relacionais, se faz necessário que a escola possa desenvolver o potencial criativo dos educandos. Propiciar ambientes de diálogo entre educadores de diferentes instituições, maximizando possibilidades de compartilhamento de suas experiências, configura-se numa ferramenta para o desenvolvimento do pensamento criativo.
Assim, propõe-se que a escola esforce-se para cumprir seu papel de “fornecer experiências novas, instigantes, que despertem a curiosidade” dos educandos, e também dos professores para que estes, em conjunto, possam buscar “soluções originais para os problemas que estão emergindo em decorrência das exigências da modernização dos tempos” (Matos, 2005: 03).
O hipertexto, com sua lógica labiríntica, é uma alternativa às práticas educativas autoritárias, oferece oportunidades de desenvolvimento de atividades criativas a serem trabalhadas nas salas de aula dos mais diferentes lugares, transformando-as em ambientes potencializadores do diálogo e do compartilhamento de experiências, que subsidiem a criação de mudanças significativas para o desenvolvimento de processos de aprendizagem sistemicamente mais criativos.

“A solução inovadora de problemas, a capacidade de problematizar a informação recebida, as perguntas interessantes, a elaboração própria do conhecimento, a curiosidade, o estabelecimento de relações, às vezes remotas mas pertinentes, são formas de expressão da criatividade no processo de apropriação de conhecimentos que devem e podem ser estimulados no contexto escolar. As atitudes e as ações criativas no processo de produção de conhecimento constituem a base para a capacidade de aprender a aprender, tão valorizada hoje como competência profissional e consequentemente como um objetivo educativo importante.” (Mitjáns Martínez, 2002: 192)

Criar é estabelecer novas coerências, suscitar novos significados, fazer novos relacionamentos, compreender em termos novos, é uma aventura em busca de saídas originais, desbravar novos caminhos, assim, o ato criativo esta diretamente ligado à capacidade de compreensão dos sujeitos, à capacidade de relacionar, de configurar, de significar. O educador, para mobilizar seus educandos a se tornarem pessoas mais criativas, pode utilizar uma metodologia mais aberta, flexível, contextualizada, desafiadora, heterogênea, polifônica, de modo a favorecer o processo criativo e a geração de produtos criativos.

“A ação criativa do professor em sala de aula demanda não só sua capacidade de elaborar atividades inovadoras que permitam a atingir os objetivos educativos de forma mais eficiente, mas também demanda habilidades comunicativas que lhe permitam criar um espaço comunicativo que se constitua no espaço onde as atividades podem fazer sentido para o desenvolvimento da criatividade.” (Mitjáns Martínez, 2002: 189)

Referências Bibliográficas

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Notas

(1) Nesse estudo, o hipertexto é adotado como sendo uma estratégia de construção do conhecimento, uma vez que, “a hipertextualidade materializa um novo modo de produção intelectual humana, evocando as características multidimensionais presentes nas estruturas de dinâmica em rede” (Chaves Filho, 2003: 40).
(2) “O dialogismo é, para Bakhtin, um termo usado para designar a negociação de significados socialmente construídos pela interação de vozes múltiplas, caracteriza-se pelo agrupamento de pessoas, permeados por experiências compartilhadas ou interesses, onde a construção de significados de dá por um processo contínuo de comunicação, interpretação e negociação.” (Chaves Filho, 2003: 44)
(3) Bakhtin (1981: 32) caracteriza como polifonia a “multiplicidade de vozes e consciências independentes e distintas que representam pontos de vista sobre o mundo”.
(4) A multilinearidade possibilita a criação de um espaço para o exercício da autonomia do leitor, que realiza seu trabalho de significação a partir das escolhas que faz nesse ambiente, intervindo, não apenas na seleção de caminhos, mas, também, ou, principalmente, na construção de sentido.
(5) “A intertextualidade é o processo de incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo.” (Barros, 1994: 30)
(6) A comunicação entre os sujeitos que caminham pela rede é fator estruturante.
(7) Na metáfora do labirinto como conhecimento, assim como na rede hipertextual, tudo é considerado texto, é uma rede na qual há a conexão dos diferentes saberes.
(8) Essa multiplicidade é uma conseqüência da heterogeneidade das redes, possibilidade de interação com diferentes linguagens e múltiplas vozes, é a própria essência do dialogismo. A heterogeneidade é expressa pela inclusão de elementos diferenciados, por vezes conflitantes, num mesmo espaço, exigindo do leitor um desenvolvimento apurado do olhar, de modo a considerar as diferenças, e não as igualdades.

Nota sobre as autoras
" - Â.Á.C. Dias é Mestre (Universidade de Nova York), Doutora (Universidade de Londres) e Líder do Grupo de Pesquisa Lattes (CNPq) “Educação Hipertextual”. Atua como Professora Adjunta (Faculdade de Educação, UnB). Endereço para correspondência: HCGN 709, Bloco I, Apto. 202, Asa Norte, Brasília, DF 70.750-709. Telefone: (61) 3275-1029. E-mail para correspondência: angelacdias@bol.com.br. K.S. Moura é Graduada em Pedagogia (Faculdade de Educação, UnB), Mestranda em Educação (UnB), na área de Comunicação e Educação e Integrante do Grupo de Pesquisa Lattes (CNPq) “Educação Hipertextual”. Endereço para contato: QN 12B, Conjunto 07, Casa 05, Riacho Fundo II, Brasília, DF 71.881-620. Telefone: (61) 3333-0634 ou (61) 8118-6827.
E-mail para correspondência: karinasmoura@gmail.com.

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