O Artigo de Fernando Martins faz uma breve aproximação aos sintomas da falta de conhecimento técnico na preparação e produção teatral contemporânea.
No âmbito teórico, a preparação vocal para atores e atrizes é destacada como imprescindível e fundamental. Estudantes e professores declaram de forma unânime, que a preparação vocal é uma instância primordial e iniludível na formação de atores.(Davini, 2007, p.13). Na prática, porém, (na maioria dos casos) os cursos de formação de atores não oferecem espaço para o desenvolvimento de treinamentos técnicos para a produção de voz, e quando oferecem este espaço é escasso ou ínfimo e, portanto, ineficiente. Em cena, o que podemos destacar é a quase completa ausência de técnica relacionada à questão. Vozes pouco timbradas, sem volume, sem foco e muitas vezes machucadas, são excessivamente massacradas em cena e, por conseguinte, massacram também a eficácia de um trabalho. Em O Espaço Vazio, Peter Brook se refere ao ator como a figura menos treinada no campo das artes.
Um ator ou atriz quando apresenta uma boa produção vocal, tecnicamente trabalhada, (normalmente) gera em torno de seu desempenho, comentários elogiosos pela boa projeção, pela boa definição de foco e pelo timbre brilhante, quando estas características deveriam ser um pressuposto para a atuação. Na área teatral, os atores e atrizes (mesmo os experientes) comumente não se submetem a treinamentos técnicos específicos que os habilitem a controlar os acontecimentos que geram sentido durante a exposição ao público, ou seja, durante a cena.
Se existe algum tipo de treinamento ao qual se submete um ator ou uma atriz, este diz respeito (quase sempre) a preparações específicas para montagens de novos trabalhos (aprender um estilo de dança ou uma modalidade acrobática, por exemplo). Fora deste âmbito, alguns treinamentos aparecem no sentido de suprir o campo da preparação física, desconsiderando a produção vocal como uma produção do próprio corpo, e principalmente, anulando a potência da geração de sentidos, que são produzidos pelas vocalidades em cena.
Esta desconsideração pode ser apontada como um fator determinante na produção teatral contemporânea. Neste sentido, é possível notar que, nos casos em que o texto teatral é considerado, atores e atrizes tendem a se apoiar demasiadamente no sentido etimológico das palavras, desconsiderando aqueles sentidos que surgem de como se diz o que se diz em cena. Não há consideração da atmosfera acústica da cena, cabendo à questão, somente as idéias pouco definidas sobre sonoplastia. Isso resulta, a anulação quase completa dos sentidos que surgem na produção de voz e palavra em performance (que se dá no como se diz).
Na maioria dos casos, atores e atrizes, se apóiam em habilidades já instituídas, às vezes adquiridas pelo ofício, mas não necessariamente técnicas. A construção dos espetáculos acontece a partir de ensaios e experimentações em cena ou a partir de indicações, que o diretor aponta no sentido de marcar a cena, restringindo o trabalho de um ator ao fato de saber de cor (decorar) um texto e repetir marcas de deslocamento no espaço cênico. E quando existe alguma dificuldade em memorizar textos há, por parte dos diretores, uma tolerância, que resulta frequentemente em cortes ou adaptações de textos. Estas constantes adaptações de textos são, de fato, uma evidência da incapacidade de atualizá-los, de apresentá-los em cena. E pior, junto à adaptação, surge a responsabilização do texto original pela ineficácia. Ora, Shakespeare há quase 500 anos é considerado o maior nome da dramaturgia mundial e ao deparar-se com as dificuldades apresentadas pela obra, atores, atrizes e mesmo diretores, comumente cortam trechos de textos e adaptam as falas, para conseguir, minimamente, sustentar algo em cena.
Além disso, ao longo da formação de um ator, é comum a participação constante em trabalhos diversos, a fim de estabelecer uma gama variada de experiências. Talvez pela falta de registro dos procedimentos ou pelas práticas das atividades sem conhecimento ou controle conceitual, estas experiências não garantem conhecimento técnico, ou mesmo, um aprimoramento de um treinamento específico que permita este desenvolvimento.
O objeto resultante desta situação está na dificuldade (por parte de diretores, atores e atrizes) em justificar tecnicamente o fazer teatral, o que os mantém circulando por um campo subjetivo, com citações que compreendem somente a emoção, a intuição, o instinto. De fato, um resquício claro da escassa produção de novos materiais de pesquisa no campo teatral e principalmente, fruto da repetição canônica dos preceitos difundidos há sete décadas por Constantin Stanislavski. O sintoma primário de tal situação se dá na aplicação das terminologias onde os termos técnica, metodologia, procedimento, estética e exercícios teatrais se fundem num emaranhado de conceitos vagos que, tanto diretores, quanto atores e atrizes delimitam erroneamente como a mesma coisa no campo das Artes Cênicas.
Importante compreender que o ato teatral configura-se em sentidos, onde operam discurso e crítica, conteúdo histórico e conceitual, conhecimento técnico e estético, e comunicação. Para conseguir destreza e domínio de todas as dimensões e demandas que confluem uma cena, atores ou atrizes devem ser treinados anteriormente, de forma que, em cena, consigam operar as dinâmicas capazes de gerar os efeitos que denotam o acontecimento teatral. Sendo assim, o momento de ensaio, referente à construção de uma cena, deve ser atravessado por questões que o antecede. Sem contato com estes conhecimentos técnicos, o contato com a cena e com a marcação torna-se prematuro, ainda sem possibilidades de sustentação de suas dinâmicas na prática de atores e atrizes.
Um músico que deseja habilitar-se tecnicamente para controlar e produzir música em um instrumento musical dado como, por exemplo, um violão, frequentemente submete-se a horas de treinamentos específicos. De fato, antes de acessar partituras de obras importantes ou mesmo compor canções e apresentar-se para um público, este músico treina, realizando exercícios específicos (escalas e dinâmicas) para adquirir habilidade, cujo ponto mais básico é a dissociação de parâmetros do som (intensidade, freqüência e timbre) que antecedem o momento de uma apresentação.
Já os atores e atrizes, quando solicitados para aumentar a intensidade (volume) de sua produção vocal durante um processo de ensaio, tendem a aumentar simultaneamente a freqüência (deslizando-se progressivamente para o registro agudo), a alterar o timbre (que vai se tornando cada vez mais metálico) e a acelerar o tempo da fala. Consequentemente fica difícil alcançar sutilezas no sentido de colorir o som com nuances tímbricas e melódicas a fim de contribuir com a configuração de sentidos à cena. Se para conseguir volume é necessário acessar um apoio vocal gritado, como conseguir tais sutilezas e variações mais eficazes, se elas não soam em freqüências mais baixas? Os textos teatrais, quando encenados, frequentemente resultam em falas menos variadas do que uma conversa no camarim com os mesmos atores e atrizes que o encenam.
Através desta pequena exposição, é possível apontar outros sintomas da falta de conhecimento técnico na preparação de atores e atrizes na produção teatral contemporânea. É possível apontar o crescimento da necessidade da figura do diretor em montagens teatrais (a partir do início do século XX) como fator que reforça a fragilidade nesta formação. Outro fator recorrente em montagens contemporâneas é a constante utilização de microfones para amplificar vozes pouco trabalhadas em platéias de médio e grande porte. E finalmente, como principal sintoma, a noção instrumental do corpo, predominante no campo da formação e na produção teatral. Esta é uma questão ampla que merece destaque e reflexão. É generalizada a consideração do corpo como o instrumento do ator ou do cantor. Silvia Davini aponta a falácia desta noção através de uma única pergunta: se o corpo [humano] é um instrumento, onde está o instrumentista? Em outras palavras, se o corpo é o instrumento do ator, onde se situa o ator? E acrescenta um instrumento é uma ferramenta, uma prótese, que utilizamos para um dado fim e, portanto, não é nem pode ser humano... (Davini, 2002). Assim, percebemos que a visão instrumental, dominante no campo da preparação de atores, configura-se também, como um sintoma do descontrole conceitual que atravessa a área. Podemos ainda, reforçar a argumentação, com o fato de as leituras teatrais serem constantemente atravessadas pela noção de prosa e pela idéia equivocada de teatro como gênero literário, o que limita a experiência de leitura dos atores no momento onde se inicia qualquer trabalho sobre uma peça. A leitura de obras teatrais é (ou pelo menos deveria ser) ressoante, pois as peças de teatro foram, certamente, escritas para serem encenadas e não lidas. Sendo assim, faz-se necessária uma revisão ao material teórico e às referências conceituais vigentes no fazer teatral contemporâneo.
A prática Teatral contemporânea apresenta uma abordagem conceitual frágil, onde o texto, infelizmente, ocupa lugar obsoleto. Onde o campo da preparação corporal tende a segmentar o indivíduo em partes dicotômicas tais como corpo/mente, corpo/voz, portanto, divide o indivíduo em partes distintas, como se a separação destas instâncias fosse possível. Onde fonoaudiólogos se encarregam da preparação vocal de atores e atrizes ao invés de cuidar de patologias, como se as demandas de um ator ou atriz fossem iguais aos de um professor (a) ou advogado (a).
Diante deste quadro, é possível perceber que o desenvolvimento de pesquisas neste campo é vasto e necessário. A configuração de um discurso potente no campo Teatral depende, em suma, da modulação do discurso que sustenta o Teatro laboratório e a experimentação. Todos os sintomas aqui apontados, convergem na prática teatral baseada no instinto, na intuição e na emoção, onde atores e atrizes (profundamente tocados pelas obras que atualizam) não tocam a platéia que os assiste.
Sobre o Autor
Fernando Martins é graduado em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília UnB onde, atualmente, é estudante do Mestrado no Instituto de Artes IdA e integra o Grupo de Pesquisa Vocalidade e Cena, que investiga a produção vocal e a configuração de sentido à cena a partir da dimensão acústica. Diretor, ator e cantor, já trabalhou ao lado dos diretores Hugo Rodas e Antônio Abujanra. Link do Grupo de Pesquisa na Plataforma Lattes (CNPq): http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhepesq.jsp?pesq=0441547558844838
Link para o blog do autor: http://nandomartins.blogspot.com
Bibliografia
BROOK, Peter. O espaço Vazio. Londres: Penguin, 1968.
DAVINI, Silvia. Cartografias de la voz em el teatro contemporâneo El caso de Buenos Aires a fines del siglo XX. Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes Editorial, 2007.
DAVINI, Silvia. Vocalidade e Cena: Tecnologias de treinamentos e controle de ensaio. in Revista Folhetim, nº15. Brasília: Ed.UnB, out-dez, 2002.
Leituras complementares
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Platôs Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 1. Rio de Janeiro, Editora 34, 1995.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Platôs Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3. Rio de Janeiro, Editora 34, 1996.
DEWY, John. A arte como experiência. in Os pensadores Volume XL James, Dewey, Veblen. São Paulo, Abril Cultural, 1974.
No âmbito teórico, a preparação vocal para atores e atrizes é destacada como imprescindível e fundamental. Estudantes e professores declaram de forma unânime, que a preparação vocal é uma instância primordial e iniludível na formação de atores.(Davini, 2007, p.13). Na prática, porém, (na maioria dos casos) os cursos de formação de atores não oferecem espaço para o desenvolvimento de treinamentos técnicos para a produção de voz, e quando oferecem este espaço é escasso ou ínfimo e, portanto, ineficiente. Em cena, o que podemos destacar é a quase completa ausência de técnica relacionada à questão. Vozes pouco timbradas, sem volume, sem foco e muitas vezes machucadas, são excessivamente massacradas em cena e, por conseguinte, massacram também a eficácia de um trabalho. Em O Espaço Vazio, Peter Brook se refere ao ator como a figura menos treinada no campo das artes.
Um ator ou atriz quando apresenta uma boa produção vocal, tecnicamente trabalhada, (normalmente) gera em torno de seu desempenho, comentários elogiosos pela boa projeção, pela boa definição de foco e pelo timbre brilhante, quando estas características deveriam ser um pressuposto para a atuação. Na área teatral, os atores e atrizes (mesmo os experientes) comumente não se submetem a treinamentos técnicos específicos que os habilitem a controlar os acontecimentos que geram sentido durante a exposição ao público, ou seja, durante a cena.
Se existe algum tipo de treinamento ao qual se submete um ator ou uma atriz, este diz respeito (quase sempre) a preparações específicas para montagens de novos trabalhos (aprender um estilo de dança ou uma modalidade acrobática, por exemplo). Fora deste âmbito, alguns treinamentos aparecem no sentido de suprir o campo da preparação física, desconsiderando a produção vocal como uma produção do próprio corpo, e principalmente, anulando a potência da geração de sentidos, que são produzidos pelas vocalidades em cena.
Esta desconsideração pode ser apontada como um fator determinante na produção teatral contemporânea. Neste sentido, é possível notar que, nos casos em que o texto teatral é considerado, atores e atrizes tendem a se apoiar demasiadamente no sentido etimológico das palavras, desconsiderando aqueles sentidos que surgem de como se diz o que se diz em cena. Não há consideração da atmosfera acústica da cena, cabendo à questão, somente as idéias pouco definidas sobre sonoplastia. Isso resulta, a anulação quase completa dos sentidos que surgem na produção de voz e palavra em performance (que se dá no como se diz).
Na maioria dos casos, atores e atrizes, se apóiam em habilidades já instituídas, às vezes adquiridas pelo ofício, mas não necessariamente técnicas. A construção dos espetáculos acontece a partir de ensaios e experimentações em cena ou a partir de indicações, que o diretor aponta no sentido de marcar a cena, restringindo o trabalho de um ator ao fato de saber de cor (decorar) um texto e repetir marcas de deslocamento no espaço cênico. E quando existe alguma dificuldade em memorizar textos há, por parte dos diretores, uma tolerância, que resulta frequentemente em cortes ou adaptações de textos. Estas constantes adaptações de textos são, de fato, uma evidência da incapacidade de atualizá-los, de apresentá-los em cena. E pior, junto à adaptação, surge a responsabilização do texto original pela ineficácia. Ora, Shakespeare há quase 500 anos é considerado o maior nome da dramaturgia mundial e ao deparar-se com as dificuldades apresentadas pela obra, atores, atrizes e mesmo diretores, comumente cortam trechos de textos e adaptam as falas, para conseguir, minimamente, sustentar algo em cena.
Além disso, ao longo da formação de um ator, é comum a participação constante em trabalhos diversos, a fim de estabelecer uma gama variada de experiências. Talvez pela falta de registro dos procedimentos ou pelas práticas das atividades sem conhecimento ou controle conceitual, estas experiências não garantem conhecimento técnico, ou mesmo, um aprimoramento de um treinamento específico que permita este desenvolvimento.
O objeto resultante desta situação está na dificuldade (por parte de diretores, atores e atrizes) em justificar tecnicamente o fazer teatral, o que os mantém circulando por um campo subjetivo, com citações que compreendem somente a emoção, a intuição, o instinto. De fato, um resquício claro da escassa produção de novos materiais de pesquisa no campo teatral e principalmente, fruto da repetição canônica dos preceitos difundidos há sete décadas por Constantin Stanislavski. O sintoma primário de tal situação se dá na aplicação das terminologias onde os termos técnica, metodologia, procedimento, estética e exercícios teatrais se fundem num emaranhado de conceitos vagos que, tanto diretores, quanto atores e atrizes delimitam erroneamente como a mesma coisa no campo das Artes Cênicas.
Importante compreender que o ato teatral configura-se em sentidos, onde operam discurso e crítica, conteúdo histórico e conceitual, conhecimento técnico e estético, e comunicação. Para conseguir destreza e domínio de todas as dimensões e demandas que confluem uma cena, atores ou atrizes devem ser treinados anteriormente, de forma que, em cena, consigam operar as dinâmicas capazes de gerar os efeitos que denotam o acontecimento teatral. Sendo assim, o momento de ensaio, referente à construção de uma cena, deve ser atravessado por questões que o antecede. Sem contato com estes conhecimentos técnicos, o contato com a cena e com a marcação torna-se prematuro, ainda sem possibilidades de sustentação de suas dinâmicas na prática de atores e atrizes.
Um músico que deseja habilitar-se tecnicamente para controlar e produzir música em um instrumento musical dado como, por exemplo, um violão, frequentemente submete-se a horas de treinamentos específicos. De fato, antes de acessar partituras de obras importantes ou mesmo compor canções e apresentar-se para um público, este músico treina, realizando exercícios específicos (escalas e dinâmicas) para adquirir habilidade, cujo ponto mais básico é a dissociação de parâmetros do som (intensidade, freqüência e timbre) que antecedem o momento de uma apresentação.
Já os atores e atrizes, quando solicitados para aumentar a intensidade (volume) de sua produção vocal durante um processo de ensaio, tendem a aumentar simultaneamente a freqüência (deslizando-se progressivamente para o registro agudo), a alterar o timbre (que vai se tornando cada vez mais metálico) e a acelerar o tempo da fala. Consequentemente fica difícil alcançar sutilezas no sentido de colorir o som com nuances tímbricas e melódicas a fim de contribuir com a configuração de sentidos à cena. Se para conseguir volume é necessário acessar um apoio vocal gritado, como conseguir tais sutilezas e variações mais eficazes, se elas não soam em freqüências mais baixas? Os textos teatrais, quando encenados, frequentemente resultam em falas menos variadas do que uma conversa no camarim com os mesmos atores e atrizes que o encenam.
Através desta pequena exposição, é possível apontar outros sintomas da falta de conhecimento técnico na preparação de atores e atrizes na produção teatral contemporânea. É possível apontar o crescimento da necessidade da figura do diretor em montagens teatrais (a partir do início do século XX) como fator que reforça a fragilidade nesta formação. Outro fator recorrente em montagens contemporâneas é a constante utilização de microfones para amplificar vozes pouco trabalhadas em platéias de médio e grande porte. E finalmente, como principal sintoma, a noção instrumental do corpo, predominante no campo da formação e na produção teatral. Esta é uma questão ampla que merece destaque e reflexão. É generalizada a consideração do corpo como o instrumento do ator ou do cantor. Silvia Davini aponta a falácia desta noção através de uma única pergunta: se o corpo [humano] é um instrumento, onde está o instrumentista? Em outras palavras, se o corpo é o instrumento do ator, onde se situa o ator? E acrescenta um instrumento é uma ferramenta, uma prótese, que utilizamos para um dado fim e, portanto, não é nem pode ser humano... (Davini, 2002). Assim, percebemos que a visão instrumental, dominante no campo da preparação de atores, configura-se também, como um sintoma do descontrole conceitual que atravessa a área. Podemos ainda, reforçar a argumentação, com o fato de as leituras teatrais serem constantemente atravessadas pela noção de prosa e pela idéia equivocada de teatro como gênero literário, o que limita a experiência de leitura dos atores no momento onde se inicia qualquer trabalho sobre uma peça. A leitura de obras teatrais é (ou pelo menos deveria ser) ressoante, pois as peças de teatro foram, certamente, escritas para serem encenadas e não lidas. Sendo assim, faz-se necessária uma revisão ao material teórico e às referências conceituais vigentes no fazer teatral contemporâneo.
A prática Teatral contemporânea apresenta uma abordagem conceitual frágil, onde o texto, infelizmente, ocupa lugar obsoleto. Onde o campo da preparação corporal tende a segmentar o indivíduo em partes dicotômicas tais como corpo/mente, corpo/voz, portanto, divide o indivíduo em partes distintas, como se a separação destas instâncias fosse possível. Onde fonoaudiólogos se encarregam da preparação vocal de atores e atrizes ao invés de cuidar de patologias, como se as demandas de um ator ou atriz fossem iguais aos de um professor (a) ou advogado (a).
Diante deste quadro, é possível perceber que o desenvolvimento de pesquisas neste campo é vasto e necessário. A configuração de um discurso potente no campo Teatral depende, em suma, da modulação do discurso que sustenta o Teatro laboratório e a experimentação. Todos os sintomas aqui apontados, convergem na prática teatral baseada no instinto, na intuição e na emoção, onde atores e atrizes (profundamente tocados pelas obras que atualizam) não tocam a platéia que os assiste.
Sobre o Autor
Fernando Martins é graduado em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília UnB onde, atualmente, é estudante do Mestrado no Instituto de Artes IdA e integra o Grupo de Pesquisa Vocalidade e Cena, que investiga a produção vocal e a configuração de sentido à cena a partir da dimensão acústica. Diretor, ator e cantor, já trabalhou ao lado dos diretores Hugo Rodas e Antônio Abujanra. Link do Grupo de Pesquisa na Plataforma Lattes (CNPq): http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhepesq.jsp?pesq=0441547558844838
Link para o blog do autor: http://nandomartins.blogspot.com
Bibliografia
BROOK, Peter. O espaço Vazio. Londres: Penguin, 1968.
DAVINI, Silvia. Cartografias de la voz em el teatro contemporâneo El caso de Buenos Aires a fines del siglo XX. Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes Editorial, 2007.
DAVINI, Silvia. Vocalidade e Cena: Tecnologias de treinamentos e controle de ensaio. in Revista Folhetim, nº15. Brasília: Ed.UnB, out-dez, 2002.
Leituras complementares
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Platôs Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 1. Rio de Janeiro, Editora 34, 1995.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil Platôs Capitalismo e Esquizofrenia Vol. 3. Rio de Janeiro, Editora 34, 1996.
DEWY, John. A arte como experiência. in Os pensadores Volume XL James, Dewey, Veblen. São Paulo, Abril Cultural, 1974.
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